Diário Teatral da Coluna – Semana 3 – 14/11/2022 a 20/11/2022

Diário Teatral da Coluna

 Diário Teatral da Coluna - Semana 3 – 14/11/2022 a 20/11/2022

A pandemia avançou sobre nossos ensaios da 3ª semana, com integrantes do grupo positivados ou sob suspeita de terem contraído Covid. Dessa forma, os ensaios foram cancelados, e coube as e aos teatristas desenvolverem pesquisas e trabalhos possíveis de serem feitos em casa.

A primeira dessas produções veio ao encontro do feriado do dia 15/11/2022, a afamada Proclamação da República. Também nessa data, durante o período da República Velha (ou Primeira República), os presidentes “eleitos” eram empossados, marcando a transição rodiziada entre os oligarcas que compunham a dinâmica conhecida como Café com Leite, que alternava na presidência do Brasil políticos paulistas e mineiros, estados responsáveis pela produção e exportação do café, principal motor econômico do país no período. As eleições da República Velha eram dominadas pelo voto de cabresto e pelas comissões verificadoras, ditadas pelos poderes locais dos coronéis e suas tropas de jagunços, tornando a democracia um escandaloso jogo de cartas marcadas.

Dessa forma, no dia 15/11/1922, assumiu a presidência do país o então candidato mineiro, ex-governador de Minas Gerais, Arthur Bernardes, o único capaz de disputar com Bolsonaro o título de mais nefasto presidente da História do nosso país. Católico fervoroso, de gestos graves e aparência sisuda, Arthur Bernardes desfilou um conjunto imenso de truculências extremas durante os 4 anos em que comandou o país. Governou todo esse período em estado de sítio, criando uma estrutura de polícia política densa, prendendo milhares de opositores, reais ou imaginários, além de censurar toda e qualquer jornal ou manifestação do período. Os teatros também foram censurados. Toda essa orquestração termina na criação do DOPS, também de responsabilidade de Arthur Bernardes.

Mas não só isso: para lidar com o crescente número de presos, além das prisões-barcos atracadas nas proximidades do Rio de Janeiro, então capital federal, Arthur Bernardes cria um campo de concentração chamado Clevelândia, no Amapá, nas margens do rio Oiapoque, também conhecido como Inferno Verde. Em suas perseguições aos tenentes revoltosos e a Coluna Prestes, Arthur Bernardes produz verdadeiros genocídios, começando pelo bombardeio terrificante em São Paulo, quando aviões sobrevoam a cidade despejando bombas nos bairros operários, terminando por oficializar os Coronéis do Brasil profundo, armando suas tropas de jagunços e cedendo títulos aos latifundiários, que passam a ostentar patentes oficiais do exército. Tudo isso amarrado a um laço econômico submisso aos países colonizadores, especialmente os ingleses, que são convidados por Arthur Bernardes a estabelecer um plano de metas e transformações para a economia do Brasil, em meio à carnificina oficial do Palácio do Catete.

Em homenagem a essa figura execrável da nossa História, esquecido nas brumas do tempo (como acontece com grande parte da memória nacional, fadada a um constante apagamento), desenvolvemos um clipe audiovisual contando um pouco da trajetória de Arthur Bernardes, nomeando seus feitos. Lançamos esse vídeo na data do feriado como um fragmento de memória e denúncia, um lembrete de que não esqueceremos, nem perdoamos.

Aproveitei também a semana em isolamento compulsório para desenvolver algumas dramaturgias experimentais, fragmentos de textos teatrais que serão experimentados ao longo dos ensaios da semana seguinte. Escrevi três fragmentos de dramaturgia em torno da Revolução Paulista de 1924. Esses textos foram desenvolvidos depois de, na 2ª semana de processo, lermos um trecho da dramaturgia “Bella Ciao”, de Luis Alberto de Abreu, escrita em 1982, mais precisamente uma cena em que acompanhamos uma casa de operários italianos anarquistas durante a Revolução Paulista de 1924, leitura essa que mostrou a importância de lermos dramaturgias em nosso processo de pesquisa.

A Revolução Paulista de 1924, também chamada de Revolução Esquecida, acontece quando os tenentes conspiradores fazem um grande levante no dia 05/07/1924, tomando a cidade, através da aliança entre Exército e Força Pública. Essa revolta é responsável por gerar o maior conflito urbano da história do Brasil, com trincheiras improvisadas pelas ruas, tanques circulando em meio ao tiroteio, bombardeios indiscriminados, população em pânico, ao longo de 23 dias de guerra.

Os 3 fragmentos de dramaturgia giram em torno desse acontecimento. A primeira cena envolve os soldados que fazem a guarda na Estação da Luz no dia do levante, atemorizados pelos fantasmas da revolução (dramaturgia inspirada na primeira cena de Hamlet). A segunda cena escrita gira em torno de uma reunião no QG dos revolucionários, montado justamente na Estação da Luz, com as altas-patentes debatendo os rumos da revolução paulista, duramente acossada pelas forças legalistas. Por fim, a terceira cena experimental é inspirada em um diálogo transcrito no diário oficial da Coluna Prestes, publicado em 1934 sob o título “A Coluna Prestes: Marchas e Combates”, escrito por Lourenço Moreira Lima, (São Paulo: Alfa-Omega, 1974) –advogado que acompanhou toda a marcha da Coluna, ganhando a alcunha de Bacharel Feroz. Foi dele a responsabilidade de criar um diário oficial da Coluna, um dos principais documentos que sobreviveram ao tempo sobre essa grande marcha.  No trecho do diário em questão, que serviu de inspiração para a escrita da cena, temos transcrito um diálogo entre um soldado, que está em dúvida sobre a hombridade dos assassinatos que cometeu em nome da revolução, e o General Isidoro Dias Lopes, que o condecora com a patente do Cabo por seus atos de bravura.

Além dessas dramaturgias experimentais que desenvolvi ao longo dessa semana de isolamento, os demais artistas-criadores do processo pesquisaram premissas para diferentes cenas experimentais sobre a Revolução Paulista de 1924, criando um mapa extenso de improvisos que devem ocupar a sala de ensaio ao longo da 4ª semana de processo. Espero que dê tempo de realizar todos os improvisos elencados. Algumas das cenas sugeridas, que serão colocadas a prova no palco essa semana, foram: as jornalistas que trabalhavam na “Folha da Noite”, jornal que passou a ter mulheres jornalistas na década de 1920; uma tipografia de um jornal anarquista clandestino, com os militantes decidindo se aderem ou não a revolução dos militares; um momento nas enfermarias improvisadas durante o conflito, com dezenas de feridos e muito desespero; as cozinhas móveis montadas em carros antigos, correndo para alimentar as tropas revolucionárias em seus dias nas trincheiras; o intenso debate na família de um soldado da Força Pública de São Paulo, que aderiu a revolução e está prestes a deixar a cidade para seguir marchando com as tropas revolucionárias; os saques nos mercados e armazéns durante os conflitos, com a população pobre acossada pela guerra e pela fome.

A próxima semana será intensa, com tanto conteúdo represado nesse isolamento que enfrentamos. A sala de ensaio promete. Veremos as descobertas que o palco guarda.

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