Diário Teatral da Coluna – Semana 6 – 05/12/2022 a 11/12/2022

 Diário Teatral da Coluna – Semana 6 – 05/12/2022 a 11/12/2022

O trabalho seguiu sua jornada, com os ensaios em torno da Coluna Prestes em meio a Copa do Mundo, com as devidas pausas para contemplar a eliminação do Brasil nas quartas de finais…

As investigações de coro cênico foram direcionadas para o que batizamos de “Dinâmicas Cênicas de Travessia”, formas de encenar os deslocamentos da marcha incansável da Coluna Prestes, que percorreu aproximadamente 25.000 quilômetros pelo Brasil.  Essas dinâmicas envolvem formas de deslocamento que investigam a ação de travessia em diferentes contextos e geografias, de um lado, e poéticas de batalha, por outro, imaginando que também isso era parte desse cotidiano da Coluna, as lutas constantes contra as tropas legalistas e os batalhões patrióticos.

Retomamos uma dinâmica de teatro-dança que estamos investigando chamada de “Briga de Faca”, um jogo teatral coreográfico realizado com o elenco organizado em duplas, dançando uma briga corpo-a-corpo de faca em riste. Outra investigação cênica foi batizada de “Travessia da Mata Densa”, também um jogo teatral coreográfico, mas agora realizado em coro, que se desloca em sintonia pela extensão do palco, como se atravessassem uma trilha difícil na mata. Ao longo desse deslocamento, a dificuldade da travessia aumenta gradativamente, chegando ao ápice do esforço no final do caminho. É quando o coro atravessa o último pedaço de mata, chegando enfim em uma clareira, diante da paisagem mais deslumbrante e inimaginável já vista por aqueles soldados e vivandeiras. Esse instante da dinâmica foi particularmente marcante.

Nos debruçamos de maneira mais detida em uma Cena Experimental trazida pelo ator Daniel Lopes, inspirada no filme “Guerra de Canudos” (Brasil, 1996), direção de Sérgio Rezende. A cena retratou o encontro em uma bodega no meio do sertão baiano entre dois jagunços que acabaram de fracassar no intento de enfrentar a Coluna Prestes. Os dois jagunços tomam uma cachaça enquanto discutem, um deles vê nos atos de jagunçagem a possibilidade de um ganho fácil, uma forma de fazer a vida; o outro está inconformado, foi alvejado, que trabalho ruim da peste é esse, ser pago pra virar defunto? Até que o Coronel que contratou os jagunços aparece na bodega, querendo saber do resultado da empreitada paga por ele. A coisa toda se complica quando um dos jagunços afirma que não quer mais aquele serviço para o Coronel. A mulher que serve na bodega tem uma relação dúbia, enfrenta o Coronel com sua postura altiva, salva o homem que não quer mais trabalhar de jagunço, desconsiderando sua conta. Depois que fica a sós, a dona da pequena taverna termina por convencer o homem a ficar do lado da revolução, do lado da Coluna Prestes; sabe reconhecer uma pessoa boa quando vê uma. A cena foi repetida, experimentando algumas variações nas relações entre as personagens. Podemos cultivar a perspectiva dessas duas figuras, que começam nos Batalhões Patrióticos tendo de caçar a Coluna Prestes e então se separam, terminando em lados opostos.  

Os ensaios musicais fazem parte da rotina do Coletivo de Galochas. Todos os encontros, ou quase todos, começam com uma parte dedicada ao canto coletivo e à apreciação sonora. O repertório de criação musical do processo está aumentando, e já temos 4 canções para a peça, isso já contando a música nova que fomos apresentados essa semana, composta pelo diretor musical do grupo. O pedido era uma composição que expressasse o horror do bombardeio terrificante realizado em São Paulo em 1924 pelo governo Arthur Bernardes, capaz de retratar o vazio oco de uma vida destruída por uma bomba que cai dos céus enquanto nas ruas se agitam as bandeiras de uma revolução. Termino o diário dessa semana com a linda e triste letra dessa música, que certamente estará na encenação da peça:

Prece triste para uma criança morta

Para Violeta

Eu queria te cantar

uma bela canção de ninar

mas engasguei no último estrondo

despertei com brados de heróis

a glória, que pairava sobre o ar,

os hinos de conquistas, grandes feitos

cobriam de mortalhas nossos leitos

de sombras e detritos nosso lar

os hinos eram choros e gritos

os brados aviões rugindo

a glória apenas dor

a história um anjo torto

a luz que irradiava

era apenas o facho

de uma bomba explodindo.

Eu queria ter cantado

uma bela canção de ninar

mas só saiu esta prece triste

pra quem não vai mais despertar

um réquiem para mais uma criança

que enterramos nessa manhã

no Cemitério da Paz.

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