Diário Teatral da Coluna – Semana 8 – 19/12/2022 a 23/12/2022
Chegamos na última semana de ensaios, antessala de um (merecido) recesso de duas semanas de final do ano. O trabalho foi intenso até aqui, com muito material cênico levantado e muitas questões erguidas em torno do processo histórico da Coluna Prestes. Ainda não temos um horizonte certeiro do que será a encenação, qual o recorte será adotado para escrever a dramaturgia, quais processos serão investigados na peça, mas certamente estamos no caminho, abrindo a trilha para o vir a ser desse acontecimento teatral que estamos fomentando.
Na rotina de coro cênico, demos sequência à procura por uma poética de combate, com uma dinâmica de enfrentamento de tropas, alternando movimentos fluídos com movimentos lentificados, expressando, como num teatro-dança, uma emboscada. Esse parece um caminho potente para encenar uma das sequências de batalha.
Sobre a pesquisa de cenas e improvisos, encerramos a última semana de ensaios investigando a Revolução do Rio Grande do Sul, iniciada em 28 de outubro de 1924 em diferentes cidades e batalhões. Fizemos a cena experimental da Tomada de Santo Ângelo, cidade onde o então capitão Luiz Carlos Prestes comandava o 1º Batalhão Ferroviário, improviso realizado a partir de um trecho do livro Noite das Grandes Fogueiras, de Domingos Meirelles. É uma situação interessante, porque os revolucionários tomam a cidade sem disparar nenhum tiro, em uma armação cheia de quiproquós, contando com o apoio inconteste da população de Santo Ângelo, que tinha muito prestígio por Prestes e pelo Tenente Portella, aliado revolucionário de primeira ordem.
Seguindo essa trilha, fizemos uma chuva de ideias e concepções cênicas sobre a gênese da relação de Prestes com o 1º Batalhão Ferroviário, também conhecido como “Ferrinho”, que depois torna-se a espinha dorsal da Coluna Prestes, os soldados de maior proximidade e vínculo com o intrépido comandante da grande marcha da esperança. Depois de ser transferido para Santo Ângelo como capitão-engenheiro responsável por construir a estrada de ferro Santo Ângelo-Giruá, Prestes faz uma verdadeira revolução no Batalhão Ferroviário: reforma o galpão que serve de dormitório, contrata cozinheiro e padeiro para fazer as refeições, institui ginástica e treino de ordem-unida, terminando por montar uma escola para alfabetizar os soldados. A passagem é muito bem narrada no livro A Coluna Prestes, de Anita Prestes, com direito a uma transcrição do próprio Luiz Carlos Prestes sobre a relação com o batalhão. Essa passagem revela muito dos ideais que Prestes aprende a cultivar, o tipo de sonho e de revolução que anima seu espírito, além de abrir um caminho imenso para narrar todo esse périplo do ponto de vista das baixas batentes, dos soldados que construíam estradas de ferro em Santo Ângelo e terminam por marchar na Coluna Invicta, cortando todo o Brasil.
Para encerrar o ciclo de trabalhos desse ano, o cineasta Diogo Gomes dos Santos, que vem acompanhando e registrando nossos ensaios com uma disposição e generosidade incríveis, fez uma rodada de entrevistas com todos os integrantes do Coletivo de Galochas sobre o processo de trabalho até aqui. Pudemos então escutar o depoimento de cada pessoa, compreender as perspectivas e interesses que circulam entre as e os artistas envolvidos nessa gigantesca empreitada. No final de toda a caminhada, será possível rever essas preciosas filmagens, comparar a encenação pronta com as intuições e vislumbres do começo do processo, registradas habilmente pelo Diogo. A memória dos fazeres teatrais tem de ser cultivada pelos próprios teatristas, artistas do efêmero, da arte da presença e do agora, por isso tão passível de esquecimentos e apagamentos. Um brinde a esses registros, que guardam um pouco do que vem sendo esse esforço criativo de encenação da Coluna Prestes.