Diário Teatral da Coluna – Semana 13 – 23/01/2023 a 29/01/2023

Diário Teatral da Coluna – Semanas 11 – 23/01/2023 a 29/01/2023

Nessa semana, somando-se aos ensaios práticos, organizamos as inscrições do Curso Livre de Coro Cênico, parte importante do projeto “Coluna Prestes: encruzilhadas da marcha da esperança”. Além de um espaço formativo gratuito voltado à cidade, 12 das pessoas participantes do curso serão escolhidas para integrarem a montagem da peça, formando o Coro da Coluna. Para nossa satisfação, tivemos um número bem elevado de inscrições. Por isso parte dos trabalhos foi voltada justamente para esse imbróglio, selecionar quem das pessoas inscritas participarão do curso, notificando todas e todos, além. O Curso Livre de Coro Cênico terá início na semana seguinte, com dois encontros por semana, de quartas e quintas, na Galeria Olido.

Na parte de experimentação das dinâmicas de coro cênico, investimos em um repertorio de ações físicas coreografadas de deslocamento, partindo de uma dinâmica de coro-corifeu. As ações exploradas foram inspiradas nos gestos que os soldados e vivandeiras tinham de realizar para conseguirem garantir a marcha da Coluna Prestes em sua travessia pelo Brasil: abrir picada no mato; atravessar a lama; atravessar o rio; marchar em trilha fechada; marcha em trilha aberta. Depois, essas ações foram experimentadas em um circuito, na busca de coreografar a poética de movimento que marca a encenação das travessias da Coluna e sua tropa.

Os jogos de improviso livre giraram em torno de situações corriqueiras que os soldados e vivandeiras da Coluna Prestes passavam durante a marcha, nos momentos em que não estavam engalfinhados em combates com as tropas governistas e os batalhões patrióticos. Cenas como procurar comida no mato (em que surgiu um soldado com dó de matar a caça), lavar as ceroulas depois das batalhas, lidar com as regras chegando para as mulheres, os processos de gravidez indesejada e as ervas abortivas, os animais de estimação levado pelos soldados (com a memorável cabra Soldado).

Nas cenas experimentais, exploramos as seguintes situações, levadas à cena:

        O Ritual da Tia Maria, uma das mulheres da Coluna Prestes que estamos investigando, uma preta velha que integrou a marcha de São Paulo até sua terrível morte em Piancó, que é descrita na literatura como alguém ligada as religiões de matriz africana, que encantava as tropas com suas rezas e mandingas. A cena experimental era justamente uma dessas passagens, em que a Tia Maria faz um ritual para fechar o corpo das tropas antes de uma grande batalha, apoiada em um canto kimbundu, depois de encarar o receio de parte dos soldados com aquele benzimento. Essa é uma cena importante, fruto da pesquisa pormenorizada dos vestígios que sobram das mulheres da Coluna, que certamente estará na montagem final da peça.

        Miguel Costa e Prestes debatem sobre os rumos da marcha, com Prestes solicitando um livro de Shakespeare para Miguel Costa, defendendo que sem poesia a coluna não anda.

        Um soldado chega em casa, junto de sua amasiada, que está cozinhando, para dar a notícia de que pretende ingressar nas fileiras da revolução; a mulher, enquanto seu amasiado a ajuda a cozinhar, já sabe de tudo, falou com o comandante, e está decidida a ir junto, decisão essa que seu amasiado não tem força para contestar na dinâmica do casal.

                   O encontro de duas vivandeiras, uma está pendurando as ceroulas do marido que terminou de levar, enquanto a outra conversa, pedindo ajuda para compreender um bilhete, já que não é letrada; uma desconfiança paira de fundo na conversa das duas, até que é revelada: uma das vivandeiras era na verdade uma espiã governista, desmascarada pela outra, a partir do bilhete.

          Prestes, acompanhado de um soldado que está aprendendo as maneiras como a Coluna se relaciona com as cidadelas e vilas por onde passa, circula por diferentes paragens tentando requisitar comida e mantimentos para suas tropas, através de 4 encontros significativos: 1. Um casal em um pequeno ranchinho, em miséria e tendo de dar parte da plantação para os donos da terra, na beira da subsistência, que termina oferecendo os dois filhos mais velhos para seguir com a coluna; 2. O mendigo monarquista, que reclama saudoso dos tempos do império; 3. Nas terras do Coronel Leôncio, amigo de Arthur Bernardes, que tenta em vão desafiar Prestes, que o intimida; 4. Seu Januário, homem muito humilde que cava a nesga de terra lhe sobrou com uma colher, e mesmo assim, divide o pouco que tem com a Coluna e seu sonho de revolução. Essa cena foi proposta por uma das atrizes a partir da leitura de entrevistas realizadas com Luiz Carlos Prestes sobre a Coluna.

Também nessa semana teve início o Ciclo de Palestras na Biblioteca Mário de Andrade, organizado em dois grandes temas: “O Teatro e a História: procedimentos criativos” e “Coluna Prestes e o Brasil da década de 1920”. Serão 8 encontros, organizados ao longo de três finais de semana. A ideia do ciclo de conversas é dupla: de um lado, convidamos um conjunto de estudiosas e estudiosos sobre o tema da Coluna Prestes para compartilharem conosco esse acúmulo de pesquisas e sínteses sobre esse importante acontecimento da nossa História; do outro, convidamos artistas que já trabalharam nessa intersecção entre teatro, memória e História, para conversarmos sobre procedimentos criativos, processos de construção cênica e desenvolvimento dramatúrgico. Nos dias 28 e 29/01, sábado e domingo respectivamente, abrimos os serviços dessas conversas que, além de garantir um retorno social da nossa pesquisa com esse espaço público de partilha de conhecimento, serviram de autoformação para o grupo, combustível para o processo criativo em curso. E que combustível!

Na mesa de sábado, que tinha como tema “Teatro e história no trabalho da Companhia do Latão”, recebemos o diretor e dramaturgo da Cia do Latão, Sérgio de Carvalho, em uma conversa de perspectiva bem obreira, mão-na-massa, uma prosa do ponto de vista produtivo de um teatro crítico e dialético, esse que se propõe um compromisso de rever a História a contrapelo atento ao espanto do tempo presente, retomando a memória para pensar o agora como transformável, desmontável. Desde esse ponto de vista, a conversa partiu de um apanhado histórico sobre as realizações da Cia do Latão em relação aos conteúdos históricos, girando em torno de como organizar os ensaios, que enunciados propor para a equipe que está na pesquisa, como os materiais são trabalhados pelos atores e atrizes nas cenas experimentais, como lidar com o material teórico, como decantar das experimentações a dramaturgia e a encenação final que a peça acaba por tomar. Foi uma conversa de trabalhadoras e trabalhadores da cena sobre seu ofício ao enfrentar o compromisso de um material conscientemente apoiado na história, que chamamos de teatro historicista.

Na mesa de domingo, que tinha como tema “Militares e Maragatos em Armas: as revoltas tenentistas de 1924 e a formação da Coluna Prestes no Rio Grande do Sul”, recebemos o prof. Amílcar Guidolin, que veio de Santo Ângelo (RS) para fazer essa palestra, que nos presenteou com uma aula sobre o início da Coluna Prestes, traçando a relação entre Luiz Carlos Prestes, os tenentes revolucionários e a guerra civil rio grandense entre maragatos e chimangos, nesse momento histórico que é a gênese do que foi a grande marcha da coluna invicta. De quebra, o professor Amílcar também fez o lançamento do livro dele, que leva o mesmo nome do tema da mesa, organizado a partir da sua tese de doutoramento – uma honra!

 

Foi mesmo uma alegria podermos gerar um encontro tão potente, com um retorno social consequente, na Biblioteca Mário de Andrade, que sonhávamos como espaço ideal para realizar esses encontros. Que venham os próximos.

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