Diário Teatral da Coluna – Semana 15 – 06/02/2023 a 12/02/2023

Diário Teatral da Coluna – Semanas 11 – 06/02/2023 a 12/02/2023

Estamos no meio de muito trabalho, coordenando o desenvolvimento das muitas frentes de criação. A dramaturgia está em franco processo de escrita, com as cenas sendo escritas em um ritmo intenso, com um planejamento de entrega de um primeiro grande bloco de texto para logo depois do carnaval. O projeto da cenografia começa a se consolidar, um cenário cinético, feito de plataformas móveis circulares, rampas e escadas, com árvores cenográficas em carrinhos e um telão curvado, também com rodinhas, explorando a poética de deslocamento que vem orientando parte das investigações das cenas da Coluna Prestes. A vinda do coreografo está planejada para semana que vem, ampliando o repertório expressivo que acumulamos na pesquisa da encenação. Essa semana também contamos com a presença do Lula, o violonista que vai tocar na encenação, em um dos ensaios de música, que seguem sua rotina. O que foi incrível.

Em meio a isso tudo, os ensaios com o elenco continuam a todo vapor, articulados com os também intensos encontros do Curso Livre de Coro Cênico. A relação com esse campo expressivo do Coro Cênico é muito profícua. O que é apontado na sala de ensaio é depois desenvolvido com a turma do curso, e vice-e-versa, permitindo um espaço de desenvolvimento genuíno do que poderíamos chamar de uma linguagem do coro cênico. Do que foi experimentado essa semana, vale destacar o movimento de teatro-dança da Travessia do Rio, realizado com uma rede de pesca azul como suporte para a coreografia. Outra das poéticas de travessia, em uma encenação que terá no deslocamento contínuo uma das suas marcas, deslocamento esse que era a chave da sobrevivência e da vitória das tropas da Coluna Prestes.

Sobre as cenas experimentais, investigamos as seguintes situações:

  • ·         Onça, a dançarina de maxixe, se aproxima de um dos acampamentos da Coluna Prestes nos arredores de São Luiz Gonzaga (RS). Misteriosa e sedutora, Onça ensina o comandante do acampamento a dançar maxixe e termina exigindo sua entrada para as fileiras da coluna. O comandante a desafia: se fizer uma ligação até o outro contingente das tropas ao norte, depois de um território apinhado de inimigos, e voltar com vida, Onça pode entrar para a Coluna. Onça aceita o desafio, parte na mata com sua habilidade peculiar de se embrenhar por aí. No caminho, engana um soldado inimigo com um cacho de bananas e termina cumprindo sua missão, voltando vitoriosa e conquistando seu lugar nas tropas revolucionárias. Experimentamos a cena algumas vezes, arriscando uma face mais animalizada da personagem Onça. Terminamos por concluir que o mais interessante é justamente o oposto: Onça não ter nada de bicho, mas sim de mulher aguerrida e liberta; faremos a sequência dela em um cabaré, com a Onça dançando como a principal atração da casa, antes de desafiar o capitão da Coluna.
  • ·         Totó Caiado e os soldados assassinados pela Coluna. Essa sequência de improvisos explorou a figura do oligarca de Goiás no período da Coluna Prestes, o coronel trambiqueiro Totó Caiado, representante dos grandes latifundiários da região, sujeito que, a partir da promessa de perseguir os rebeldes, arranca do Governo Federal uma quantia astronômica para armar seus jagunços, conseguindo uniforme e armas para suas tropas. No entanto, Totó Caiado nunca ordena que suas tropas avancem o suficiente para se chocarem de fato com a Coluna, mantendo sempre uma distância segura. Dessa forma, pode roubar os cavalos cansados abandonados pelos revolucionários em sua fuga sempre ligeira, sempre trocados por montarias descansadas e dispostas. Ao descobrirem a estratégia de Totó Caiado, as lideranças da Coluna, nas figuras de Luiz Carlos Prestes e Siqueira Campos, ordenam que os cavalos sejam executados, para não caírem em mãos inimigas. O improviso aconteceu em duas situações. De um lado, improvisamos a celebração da posse do irmão de Totó Caiado como Presidente de Goiás onde, em meio as festividades, Totó Caiado recebe o aviso de que os revolucionários estão em suas terras, começando sua grande orquestração trambiqueira. A outra situação foi justamente a decisão do assassinato dos cavalos, com um vaqueano da região alertando as lideranças da Coluna de que Totó Caiado está roubando os cavalos para revender no leilão na cidade de Goiás, levando um embate entre Prestes e Siqueira sobre a necessidade ou não de matar os cavalos; Siqueira Campos prevalece na discussão, ordenando que os cavalos cansados sejam executados, para horror de um dos soldados, que se recusa a matar o animal.
  • ·         A festa das mulheres. Uma situação de fogão, que eram os menores agrupamentos da Coluna Prestes, feito de 8 a 10 pessoas, que se organizavam em cooperativas autônomas para garantir a alimentação do grupo (que era de responsabilidade de cada soldado). Dois soldados preparam a comida no fogão, quando são surpreendidos pelo retorno do grupo de mulheres, 4 delas, que chegam em festa, bebendo cachaça, celebrando a vida, apesar de tantas adversidades. Cena importante por explorar a situação do fogão em um momento de descontração e alegria, com um improviso contagiante. Esse grupo de mulheres será explorado ao longo da encenação.
  • ·         O Soldado Ferido e o Sargento Professor. Em um acampamento nos arredores de São Luiz Gonzaga (RS), um grupo de revolucionários feridos chega, derrotada da batalha de São Borja (RS). Um sargento do Batalhão Ferroviário, alfabetizado por Prestes, acolhe um soldado ferido, que fica encantado com o fato do Sargento saber juntar as letras. Uma relação profunda e sensível surge entre os dois, o Sargento se dispõe a ser o professor do Soldado. Esse núcleo também será muito explorado na encenação, sendo uma das linhas de relação que acompanhamos ao longo do processo, se desenvolvendo enquanto caminha a Coluna Prestes.
  • ·         As falsas requisições, que explora o campo temático das requisições realizadas pelas tropas revolucionárias e governistas, ações de expropriação de bens com um documento atestando que haveria devolução do que foi confiscado quando o conflito acabasse. Uma tropa em marcha precisa de alimentação, vestimenta, munições, remédios. O abastecimento das tropas é uma permanente preocupação dos soldados e oficiais durante toda a marcha da Coluna Prestes. Então as requisições são uma forma de formalizar a expropriação desses mantimentos das populações por onde a Coluna passava. Essa ação também era praticada pelas tropas governistas, mas de maneira muito mais selvagem e inescrupulosa do que a Coluna Prestes fazia. Mesmo assim, as requisições existiam, e existiam também as falsas requisições, documentos forjados por soldados para roubar objetos e pertences da população. O improviso experimental explorou, em situação de cena, a reação da população com o tema das requisições, os diferentes pontos de vista em torno da exigência anunciada pelo arauto das tropas, que era na verdade um farsante, que é desmascarado pela população. Até que chegam os verdadeiros revolucionários em meio ao caos do tribunal popular que se armou, vindos para… requisitar comida e meios de transporte para o povo. Essa cena é interessante, permite que exploremos diferentes pontos de vista sociais em torno dos ideais da revolução e suas necessidades materiais objetivas.

 

 

 

 

 

A encenação da peça “Coluna Prestes: encruzilhadas da marcha da esperança”, conforme o material vai se sedimentando, parece apontar para dois recortes narrativos caminhando no seu desenrolar: de um lado, a trajetória épica da Coluna Prestes cortando todo o Brasil, enfocando especialmente Luiz Carlos Prestes, refletindo tanto os embates internos entre as lideranças revolucionárias quanto o amplo conflito entre  os ideais da Coluna Prestes e os ideais do Governo de Arthur Bernardes, que se atrela com os poderes de oligarcas, latifundiários, empresas transnacionais. Do outro lado, acompanhamos os acontecimentos de núcleos de personagens da base dessa história, o desenrolar dos soldados, vivandeiras e das populações simples que sustentavam esses acontecimentos, figuras pelas quais a História hegemônica não demonstra interesse, essas que precisam ser contadas a contrapelo, investigadas nos documentos. Uma dessas histórias será essa do Sargento Professor e o Soldado Analfabeto, fazendo ecoar o princípio de alfabetização mútua que gerava os vínculos entre as tropas do Ferrinho, o Batalhão Ferroviário de Santo Ângelo.

Rolar para cima